Borra
quinta-feira, 14 de outubro de 2021
A casa dela
Era uma casa muito grande. Era muito grande a casa. Ela viveu muitos anos nesta casa. Ficou fora dela muitos anos também. Mas para esta casa voltou. É uma casa muito bonita, que impressiona os visitantes e os que passam pela rua. Todas as pessoas que nela estiveram se impressionaram e acreditavam que a família era muito rica, isso tudo devido ao tamanho da casa. Realmente o pai teve como objetivo construir uma casa muito grande. Ela nunca pensou nos motivos que levaram o pai a construi-la. Talvez tenha realizado um sonho de criança. A varanda da casa se assemelha à sede da sociedade hípica de Campinas. Antes de construi-la o pai esteve num baile no clube. Ela pode estar redondamente enganada, mas as histórias são feitas de imaginação e não só de realidade. Talvez o pai tenha se impressionado com a imponência da sede e tenha tentado reproduzi-la, mesmo que em escala menor, é lógico. Ela nunca vai saber, pois seu pai não está mais aqui para contar essa história. Talvez essa casa já tenha sido menor. Hoje só vivem lá ela e seu gato. Por isso ela ficou tão grande. E qual é o destino da casa? A intenção é vendê-la e buscar um lugar mais aconchegante. Mas em tempos de pandemia e de condomínios fechados, essa grande casa de esquina empacou. Ela já recebeu muitos interessados na compra do imóvel. Mas até agora nenhuma proposta. Havia uma placa anunciando a venda. Agora foi removida. E ela aguarda o momento de deixar pra trás essas salas e quartos, e se aninhar num novo cantinho, junto com o seu gato. A casa dela é muito grande e hoje ela já não precisa de tanto espaço.
domingo, 10 de outubro de 2021
O fato aconteceu
O fato aconteceu
O fato aconteceu. Lá estava ela, mais magra, sorridente, olhando para o seu pupilo, o seu neto Davi. Seu objetivo na vida agora, após se aposentar, seria principalmente cuidar do menino, para que a filha pudesse dar sequência à carreira acadêmica. Os propósitos da vida se apresentam de muitas maneiras. Uns nos aproximam das pessoas e outros nos afastam. É como o eterno movimento das ondas. E não cessa nunca. Esse fato que aconteceu me fez lembrar da nossa própria história. A minha e a dela. Estávamos no ano de 1981. Eu acabara de completar 16 anos. Eu tinha um namorado, o Paulo. Paulo Sérgio. Ele era sete anos mais velho do que eu, e enquanto eu ainda iria me formar no colegial, ele já tinha iniciado o curso de arquitetura na Puccamp. Paulo é uma das pessoas mais meigas que eu conheci na vida. Bom, dando continuidade a minha história, num sábado quente e ensolarado de 22 de novembro de 1981, saímos para passear de moto. Eu e o Paulo, numa CG 125, de cor azul, muito popular na época. Na verdade ele foi me buscar na costureira na Vila Nova, e na volta fomos atingidos por um Chevette no centro de Campinas. Sábado, meio-dia, uma agitação só! E caímos. Voamos de moto para falar a verdade. Paulo não se machucou, mas eu quebrei a perna direita e o pé também. Tive várias fraturas no total de 5, inclusive, uma fratura exposta. Fiquei 7 meses engessada, e nos dois anos após o acidente, frequentei uma clínica de fisioterapia para voltar a ter uma vida normal. Minha perna continua aqui comigo, permitindo que eu faça o que eu mais gosto, que é dançar. Infelizmente eu deixei de frequentar as aulas de dança, na época, pois me envolvi com os estudos para o vestibular. E por que estou relembrando esse episódio? Qual a ligação com a história da avó do Davi? Bem, essa senhora a qual me refiro é minha irmã. Naquele ano, ou no ano anterior, não me lembro ao certo, minha irmã tinha acabado de se separar e mudado para a França, com o objetivo de estudar seu sonho: o curso de doutoramento em arquitetura. Até aquele momento, ela tinha sido como uma mãe para mim: a irmã mais velha a quem foi dada a atribuição de cuidar da filha caçula. Os 12 anos de diferença e a dinâmica familiar desencadearam para que as coisas acontecessem dessa forma. Ela cuidava de mim, e é claro, eu gostava, me sentia protegida. Quando a minha irmã soube do meu acidente, ela ficou muito preocupada, e logo, no ano seguinte, ela veio me visitar. Eu me recuperei e ela passou seis anos no exterior. Mas nossa relação nunca mais foi a mesma. Mudou. O fato aconteceu. Não sei exatamente tudo o que minha irmã viveu lá na França, mas a ligação que tínhamos nunca mais foi a mesma. Isso foi um marco para mim, antes e depois do meu acidente. Para ela, o marco foi sua mudança para a Europa, acredito. O antes e o depois desse evento. E por que as relações mudam? Não dá para saber. Mas ao recordar esse passado percebo que a partir daquele momento, minha irmã tornou-se outra pessoa. Sinto falta daquela irmã da minha infância, mas hoje, refletindo, acredito que ela deva ter tido os motivos dela para se afastar. Novos valores, novos objetivos, novas escolhas. Eu nunca tive a oportunidade de lhe falar, mas gostaria que ela soubesse que eu desejo, torço para que ela seja feliz. Do jeito que ela é. Talvez eu tenha idealizado e cristalizado aquela irmã do passado.Mas as minhas memórias são eternas e não posso descartá-las. Guardo-as com carinho. É, o fato aconteceu. Não podemos alterá-lo, mas falar sobre ele, colocar no papel, nesta crônica, me deixa aliviada. Eu deveria ter começado a escrever antes se soubesse que seria tão catártico para mim. Mas agora que comecei não vou parar mais, pois os fatos continuam acontecendo, e só me resta analisá-los.
Campinas, 10 de outubro de 2021. 2 ano da pandemia.
sábado, 18 de janeiro de 2020
Eu, me encontrando em Manoel de Barros
Sou borra.
Sou borra. Como a do café.
Filha caçula, que veio fora do tempo.
Talvez essa condição tenha me empobrecido.
Mas descubro que isso na verdade
Me salvou
Sempre senti um vazio enorme.
Desde criança.
Como se eu não fosse desse mundo.
E descubro aos 5.4 que os vazios
São maiores e infinitos
As pessoas desimportantes servem para a poesia
Um homem jogado fora também serve para a poesia
Tudo o que é rejeitado serve
Eu sirvo
Mijo e sou mijado, portanto sirvo
Já nasci e morri várias vezes
Continuo nascendo e morrendo
Já fui muitas
Sinto aflição em definições
Sou múltipla
A maioria do que faço é invenção
De moda
Muita gente gosta
Tem quem não entenda
E tem aqueles que jogam na lata do lixo
Lixo, resto, borra.
Sou borra. Como a do café.
E essa é uma definição que eu gosto.
Dizem que das suas inúmeras utilidades
Previne até chulé em sapatos.
terça-feira, 14 de janeiro de 2020
E desta forma, conhecendo os seus moradores, me aproximando deles, Bonito vai ganhando um novo sentido para mim: mais amigo, mais próximo, e vou conseguindo perceber as nuances, as diferenças, os detalhes, como num bordado: cada ponto, cada linha, cada arremate, cada vidrilho colocado no tecido traz novos significados, e novas perspectivas para essa paulista, que nasceu no Paraná, e agora virou Bonitense.
Não é fácil deixar o seu lugar e viver em outro completamente diferente. Ainda mais quando já completamos 5.4 (sic). Mas esta experiência está me ensinando principalmente que o Brasil é de uma cultura infinita. Viver no Mato Grosso do Sul, na Serra da Bodoquena, próximo ao bioma do pantanal é de um riqueza ímpar, posso até dizer que esta oportunidade é um privilégio. E não é só porque nadamos em águas cristalinas, visitamos cachoeiras belíssimas, percorremos trilhas onde podemos avistar os animais, os pássaros - quase todos os dias sou despertada por um bem-te-vi na minha varanda - mas porque tenho a oportunidade de compreender a complexidade social e política de nosso país, e entender essa teia, esse caldeirão cultural. Só olhando de perto e mais profundamente é que podemos emitir uma opinião mais consistente.
E na minha nova visão - porque estive no Estado do Mato Grosso do Sul há 30 anos atrás - a terra do homem do campo, do gado e das culturas da soja, do milho, predominante entre tantas outras, do chamamé, do pantanal, do turismo contemplativo e do ecoturismo, dá um show de diversidade, e nos ensina que o trabalho árduo e o amor à terra, é o que nós brasileiros, de uma forma geral, temos de melhor.
Um viva ao Mato Grosso do Sul e aos seus incansáveis trabalhadores da cidade e do campo.
Muita luz para vocês, "Sal e Luz".
Obrigada Elizandra pela entrevista.
Abraços da Isabela
segunda-feira, 9 de dezembro de 2019
Se eu fosse eu
E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou de ser movida do lugar onde se acomodara. No entanto já li biografias de pessoas que de repente passavam a ser elas mesmas e mudavam inteiramente de vida.
Acho que se eu fosse realmente eu, os amigos não me cumprimentariam na rua, porque até minha fisionomia teria mudado. Como? Não sei.
Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho por exemplo, que por um certo motivo eu terminaria presa na cadeia. E se eu fosse eu daria tudo que é meu e confiaria o futuro ao futuro.
"Se eu fosse eu" parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a entrada nova no desconhecido.
No entanto tenho a intuição de que, passadas as primeiras chamadas loucuras da festa que seria, teriamos enfim a experiência do mundo. Bem sei, experimentaríamos emfim em pleno a dor do mundo. E a nossa dor aquela que aprendemos a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que mal posso adivinhar. Não, acho que já estou de algum modo adivinhando, porque me senti sorrindo e também senti uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais.
quinta-feira, 5 de dezembro de 2019
De novidade eu tenho uma bem legal: o meu filho virá passar o Natal comigo e Ano Novo também! Onde você vai estar? Com sua família? Para quem ficar na cidade uma boa opção de ceia de Natal e Ano Novo é o Restaurante Casarão na rua principal da cidade, a Pilád Rebuá. Você sabe o por que deste nome? Bonito foi fundada em 02 de outubro de 1927 pelo capitão Manuel Inácio de Faria com a colaboração do Coronel Pilad Rebuá, que na ocasião era o prefeito da cidade de Miranda. Bonito pertencia ao município de Miranda na ocasião.